Monday, March 28, 2005

Filme Triste, O

Criei esta linha geral a alguns anos para um filme que imaginei, onde eu estaria no lugar de meu pai que teve uma vida sem perspectivas, que nunca arriscou porque sabia o chão em que andava, onde eu arriscaria, mesmo sabendo o chão em que ando.




O FILME TRISTE


A primeira vez que vi meu pai bravo foi quando tinha quatro anos. Brinquei com um dos modelos de miniatura dos aviões que ele criava. Arranquei a asa sem querer. Foi nesse exato momento em que ele me pegou pelos ombros me chacoalhando com raiva do que eu havia feito, e quando estava prestes a chorar, ele me olhou nos meus olhos de medo e começou a pedir desculpas, chorando mais do que eu. Nunca mais ele brigou comigo ou com meu irmão, nunca mais eu vi uma explosão de raiva dele.

Meu irmão tem três anos a menos que eu, eu tinha doze anos quando nosso pai nos abandonou.

Tudo que restou dele foi o ferrovelho no quintal de casa, uma carcaça do mesmo avião que eu havia quebrado as asas. Essa carcaça era tudo o que ele realmente queria fazer de sua vida, dedicou tudo que tinha para poder fazer aquilo voar.

Eu lembro da casa que tínhamos nos meus quatro anos, tinha grandes janelas para ver o céu, mais quartos do que precisávamos. É uma lembrança distante, até os meus doze anos, mudamos de casa em casa até o nosso único bem ser um fusca branco, o mesmo carro que ele levou ao nos abandonar.

Do que ele tinha medo? Porque ele fugiu? Minha mãe fechou-se em si mesma, meu irmão que tinha dez anos não conseguia crer em mais nada.

Todo o dinheiro que ganhei no corpo anti-sequestros foi para minha mãe pagar o aluguel da casa que morávamos de favor. Ela ainda guarda lá a carcaça, esperando reencontrar papai. Meu irmão sumiu pelas travessas da cidade, às vezes ele aparece no Natal, trazendo presentes com dinheiro que não dizia de onde vinha. Soube depois que ele havia entrado para a escola da polícia, a mesma que eu fiz, ganhando mais do que devia.

No final do ano em que morri, assassinado pelo meu irmão que não viu quem eu era, me matando por engano, a empresa que havia demitido papai foi obrigada a pagar uma indenização por toda uma vida, mas ninguém soube. E papai estava vivo, mendigando. Minha mãe que passou a viver sozinha com um salário mínimo não falava mais com ninguém, triste de saber que um filho matou o outro sem querer. Ela nunca visitou meu irmão, e dele nunca mais se soube o que aconteceu.

Saturday, March 26, 2005

Matrix: The Big Fish Syndrome

Tem um momento em Big Fish que Ed Bloom está próximo da morte, seu filho Will fica ao lado de seu leito. O mesmo médico que trata Ed Bloom na morte é mesmo que segurou Will ao nascer, no mesmo dia que Ed Bloom conseguiu pegar o peixe eterno com sua aliança de ouro.

Dr.Bennett: Do you want to know what really happened on the day you were born?
Will Bloom: Sure.
Dr.Bennett: You were born early, without any problems, and your dad was away on a salesman trip and was upset that he couldn't be there. But, men weren't allowed in during the delivery, so I don't see how it could be much different. I guess its not as exciting as your fathers version...
Will Bloom: I kind of liked your version.

Dr. Bennett desmistificou a versão do pai de Will, assim como Matrix Revolutions fez com The Matrix.

Morpheus: The Matrix is everywhere. It is all around us. Even now, in this very room. You can see it when you look out your window or when you turn on your television. You can feel it when you go to work... when you go to church... when you pay your taxes. It is the world that has been pulled over your eyes to blind you from the truth.
Neo: What truth?
Morpheus: That you are a slave, Neo. Like everyone else you were born into bondage. Into a prison that you cannot taste or see or touch. A prison for your mind.

Nós ainda nos sentimos escravos, não sabemos de quem ou para o quê, pois nos sentimos cegos, The Matrix conseguiu sedimentar estes sentimentos, nestas exatas palavras de Morpheus. Quando Revolutions chegou com 'respostas' e um 'final', banalizou-se este sentimento. Revolutions foi o nosso Dr. Bennett, este filme fechou a década de 90 como uma ressaca de quarta-feira de cinzas de um carnaval esquecível.

É triste ver que os irmãos Wachowsky não puderam ver que não podiam responder as questões que haviam levantado, ninguém pode, porque de certa maneira não é possível, na verdade, também não interessa. Deviam ter guardado Zion como um mito, e não como uma atração de parque de diversões.

O que Matrix virou? Outro Arquivo X. A verdade está lá fora, mas não queira saber qual é... porque é decepcionante, porque nenhum roteirista no mundo consegue (ou pode) criar 'a verdade' que não podemos ver.

Friday, March 25, 2005

Herbie e o dia 24 de Junho

Quando tinha três ou quatro anos, me perguntaram o que eu queria de aniversário, e eu queria ver Herbie. Foi a primeira lembrança que tive de estar em uma sala de cinema. Lembro que não aguentei ficar sentado por dez minutos, estava cheio de outras crianças pulando no corredor, e eu fiz o mesmo. Mas também me lembro de que em um momento comecei a prestar atenção no filme, mesmo estando legendado. Posted by Hello

Thursday, March 17, 2005

ESCONDIDO NA SOMBRA DA FORMALIDADE

Em uma noite de febre, descubro que meus delírios me atacam na luz acesa. Durante algumas horas meu cérebro deu pane, tentei ligar o piloto automático e vi que estava em rota de colisão comigo mesmo.

Tentei pensar no nada, no branco, e logo percebi que no branco havia tijolos pintados de branco, que havia cimento entre os tijolos, que havia um universo no ruído do cimento. Meu cérebro não parava.

A todo momento vi que estava em frente a uma porta que não deveria entrar, onde tudo rodopia, ofusca, onde deveria eu rodopiar junto para poder estar lá, para ver o que não deveria.

Mas não era exatamente uma porta, mais parecia uma escada, uma escada para um segundo andar que nunca percebi que havia. Me dava a sensação de que se eu entrasse lá jamais poderia descer. Fiquei no meio, por horas.

Mesmo consciente, apaguei.

Quando acordei para poder então dormir apaguei o abajur. Na manhã seguinte me levantei cansado, pesado. Resgatei o filhote que havia abandonado no dia anterior e voltei a me deitar. Todas as alucinações que havia visto estavam me impreguinando ainda.

Ainda via as pessoas comuns do dia a dia sendo raptadas por alçapões que se abriam e as enguliam, sumindo para o nada. Ainda via os abismos que minha mente havia criado onde um passo em falso me faria cair pela eternidade, meu coração parecia querer se desintegrar a qualquer momento. E quando via a mim mesmo brotava um sentimento de que eu não era nada além de um grão do ruído de um filme que ninguém viu.

E ao mesmo tempo nenhum destes sentimentos eram mórbidos, eram vivos, pareciam que tinham mais vida que eu. Me sentia a mosca indo em direção à luz azul assassina, mesmo sabendo qual era o destino.

Me pego de súbido nos momentos mais tranquilos me vendo cair de novo nesta teia psicótica como um choque elétrico. Me contenho e tenho que me segurar de volta. Sempre é uma sensação ruim, de fragilidade, de que tudo que sou pode sumir por um mínimo descaso meu.