Monday, June 27, 2005

NADA ALÉM DA VERDADE

Passamos um mês inteiro no prédio da folha fotografando todas (todas) as capas do Notícias Populares, e desde então estamos lendo uma a uma. Acho que já chegamos a uns 30% disso e eu ainda não tenho a menor idéia do que este filme virá a ser.

Uma comédia? Comédia mórbida?

Um drama? Drama cínico?

Haverá redenção? Haverá final?

Trágico? Violento? Ridículo?

Heartbreaking? Warm? Cold?

Tudo que eu sei é que ele será vermelho. A Patrícia me disse talvez uma palavra-chave: antropológico.

O filme será recortes de uma realidade sobre um Brasil que você não vê, mas sabe que existe. Sobre pessoas de um país onde existe lei, mas ao mesmo tempo não existe, onde existe riqueza, mas que também não existe. O Brasil vive nesse evento de horizontes onde os extremos se encontram. Um país que vive sobre uma eterna pororoca.

E uma das coisas que eu acho mais facinantes sobre o NP é que não existe nada além do Brasil, não existe Europa ou EUA, só existe gringo e o 'lá fora', que são coisas do mesmo universo que os ETs, céu e o inferno. Na verdade a palavra Brasil é raro encontrar lá, muito mais do que qualquer outro jornal ou mídia daqui.

É como se estivesse eternamente olhando para o umbigo, onde todo o fim e o começo terminasse ali. É um olhar de dentro para dentro, talvez nenhum estrangeiro irá encontrar o 'ah, isto é Brasil', eles serão aliens nesta realidade. Enquanto que nós saberemos exatamente que Brasil é este. Não haverá Rio de Janeiro, samba, cuica, nem mesmo o morro.

São histórias tão bizarras mas que para nós fará sentido, onde o esquisito está compreensível. Onde a dignidade vem por caminhos violentos, onde a felicidade brota da miséria, onde o sucesso é o fracasso moral, onde o feio é norma, onde a norma é nenhuma, onde a esperança é eterna. Antropológico, talvez isto defina este filme. Precisamos saber quem somos afinal.

Sunday, June 26, 2005

Quem quer saber a opinião de um classe média paulista?

Eu sempre estou aberto às opiniões estridentes, principalmente porque quero entender qual a lógica para poder crucificá-las. Mas quando você esteve em uma produção inédita no país como Cidade de Deus, você tem o direito absoluto de emiti-las, e eu o dever absoluto de ficar quieto.

Entrei neste obscuro site da ABC, Associação Brasileira de Cinematografia, queria ler algo brasileiro sobre as decisões artísticas dos diretores de fotografia, assim como leio na American Cinematographer, ou na ICG, que são praticamente de outro mundo que não este o nosso. Walter Carvalho destrincha tecnicamente tudo em seus textos e entrevistas, já quando abro a curta entrevista do Cézar Charlone, diretor de fotografia do Cidade de Deus, e virtual apoiador da ABC ele diz:

"O filme não foi feito para o "mercado". Foi feito para atingir um grande número de pessoas. Honestamente acho que não interessa a ninguém o que um paulista classe média acha ou deixa de achar sobre o problema da exclusão ou da violência no Brasil. A classe média já tem muito espaço para se manifestar".

Começando do fim, foi um paulista branco da classe média que dirigiu e produziu do próprio bolso, e ele sabe disso mais do que ninguém. E esse 'grande número de pessoas' que pagaram Cinemark e compraram DVDs, são a classe média, digo o 'mercado'. Como disse o Fernando Meirelles pro pessoal do morro durante o Oscar: 'É nóis na fita e os playboy no DVD'

Ele segue dizendo que o resultado veio da experiência da publicidade, and we all know it. E quando ele critica os críticos: "O difícil para alguns críticos é ter que reconhecer que a equipe é competente por vir da publicidade onde praticam e experimentam muito. São pessoas que filmam, montam e constroem cenários diariamente há anos. Esta é uma vantagem que levamos em relação aos cineastas 'puros"'.

Vantagem em relação ao quê? O que é cineasta 'puro'? Existe cineasta 'impuro'? Copolla é 'puro'? Ou Kurosawa? Fellini, Wilder? Spike Lee fez comercial da Nike depois de ser um 'cineasta puro', assim como Ang Lee para BMW, até David Lynch fez comercial do Playstation 2 (que inclusive o diretor de fotografia de Lynch "Eraserhead', 'Blue Velvet' é hoje o fotógrafo mais atuante e caro no mercado publicitário mundial), Kurosawa fez comerciais do Whisky Santory com Coppola, mas todos ele faziam cinema 'puro' antes. Qualé Cézar? Vantagem competitiva? Ou será simplesmente que Cidade de Deus foi produzido nos moldes mais adequados para uma filmagem correta, por uma equipe equilibrada, e que isso sim é inédito no país e nada disso foi falado em sua entrevista. A produtora executiva de Cidade de Deus me disse claramente que foi o filme mais caro já produzido no Brasil.

E um cara que trabalhou a vida inteira em publicidade dizer que nada foi pensado em 'mercado'? Mas aqui eu concordo, não existe filme que funcione que tenha nascido de um briefing.

Friday, June 24, 2005

The End of Line

Estamos no século 21, e os maiores lançamentos deste verão americano serão: Se Meu Fusca Falasse, A Feiticeira, A Guerra dos Mundos, King Kong, A Fantástica Fábrica de Chocolate e Super-Homem.

Não tenho como não achar isso engraçado.

Maldita Redenção

Não é todo dia que você vê um filme em que o herói pedirá para sua mulher pular do prédio com seus filhos para uma morte digna quando o genocídio chegar. Mas quem quer ver coisas tristes, não é mesmo? Principalmente eu, que estou passando pelo menos três ou quatro horas lendo manchetes sanguinárias do NP todo santo dia.

Pra conseguir mim manter la sanidade, eu paro de ler o NP e assisto um filme novo todo santo dia. Hoje, fiquei entre assistir Hitchhikers Guide to the Galaxy ou Hotel Rwanda. Assisti Hotel Rwanda. Sabia do que o filme se tratava, me arrisquei a assistir sabendo que era um filme sobre um genocídio, assassinatos em massa, preparado psiquicamente em ver aquilo que meus olhos civilizados esperam que suma quando fechados.

Infelizmente Hotel Rwanda tem final feliz; como um filme sobre um genocídio de um milhão de pessoas pode ter final feliz? Isso é anti-ético, assim como a Lista de Schindler foi. É anti-ético você recriar a única história com final feliz dentre um mar de sangue sem fim. É anti-ético você mostrar que uma história como essa tem final. Ponto.

Não é um filme sobre sobreviventes como O Pianista conseguiu ser. Em um genocídio, por mais que você fuja e consiga escapar, o império claustrofóbico da raiva vai lhe arrancar tudo que você ama e lhe deixar cicatrizes irreparáveis na alma. Não é o caso deste filme. Não só o herói salva sua família como salva um bando de crianças desconhecidas dizendo 'sempre tem mais espaço'. Essa frase foi uma facada nas minhas costas.

Este poderia ter sido um dos filmes mais importantes na história do cinema, mas se prostitue no final. Essa maldita procura pela redenção forçada assassina a redenção pura, que neste caso a 'redenção' seria o filme simplesmente existir, mostrando cruamente a amputação que a história da civilização ocidental deixou na África, um indigente que está morrendo na esquina, em que se espera o rabecão ao invés da ambulância.

Que erro, que erro monstruoso. Em uma das partes do filme, um repórter americano diz sobre o genocídio: "ah, eles (o público) vão dizer: que horrível, e então voltar para o jantar". E é exatamente isso que o filme provoca. Que está tudo bem, que tudo acabou, que o herói está são e salvo com as criancinhas na Bélgica. Vai tomar no cú.

Saturday, June 11, 2005

Porque não faço Propaganda - Motivo no.15

Existe um paralelo entre a propaganda e a prostituição, o fingimento. Digamos que a puta tenha uns três clientes em dois dias, e para cada um deles ela gemeu como se ele fosse o garanhão que sua esposa/namorada não vê. Mas quando percebe que é fingimento ele só não broxa por causa do viagra.

Propaganda é assim, quer te fazer gozar porque precisa, te fazer sentir aquilo que você não proporciona. Já o cinema é seu cúmplice, ele te usa, te faz aquilo que você não sabe que queria, quase um estupro consentido, e ao mesmo tempo ele o faz por você.

Claro que existem filmes que fingem o orgasmo também, existem até aqueles que além disso te botam chifres, pois você pagou o ingresso, doou horas de sua vida achando uma vaga de estacionamento, ficando em pé na fila junto com todos aqueles que você convenceu a ir junto contigo, e aí o filme te trai, ele é uma bosta, já aconteceu com todos, você não é o primeiro.

Quando o filme é bom, é quase uma relação sexual de duas horas, você não viu que foram duas horas, e pode ainda por cima sair apaixonado. O bom sexo é uma quimica entre duas ou mais pessoas, o cinema também, há filmes que dão repulsa a uns, dão tesão a outros, é simples assim.

A propaganda tenta esquecer disso e pratica seu strip como uma profissional faria. E a profissional faz caras e bocas como se realmente houvesse algo entre as pernas. Sim, existem aquelas que curtem isso e depositam alguma verdade, assim como existem os Nizans e os Washingtons da vida. Tirando estes, a maioria dos publicitários tem sentimentos contraditórios em relação ao que fazem, se sentem vendidos em algum nível ao cliente.

A maioria com quem estudei propaganda entraram na faculdade porque sabiam de que algum modo eram diferentes, sabiam musicar, desenhar, fotografar, escrever. Em suma, artistas. Propaganda parecia ser um bom meio de aplicar e desenvolver esses dons, e ainda ganhar algum dinheiro. Mas o problema é que se você é bom, o mercado vai te sugar todo o suor e o tempo, até aqui ok, até o jeca do cliente dizer 'porque vocês não fazem isso amarelo?'.

Não interessa o quanto sua sensibilidade lhe diga o contrário, é amarelo que será feito. E assim como a prostituta que trepa com o anão de bigode aos berros pensando silenciosamente em mudar de profissão, o publicitário pensa no livro que não escreveu, na música que não pôde acertar, no fogo que foi perdido no rótulo da lata de leite condensado.