Tuesday, January 17, 2006

metaphysical familiarity

Já vi em meus sonhos um bombardeio da minha janela, vi a cara de terror de um piloto de f15 ou f16 berrando dentro de seu cockpit ao ver seu fim se aproximando com o chão. Era um sonho impressionante, daqueles de lembrar pela vida, quando acordei dele reparei um lance muito interessante nele: boa parte das cenas do sonho eram em tele.

As lentes tele deixam tudo chapado porque a imagem que preenche o quadro está muito longe da câmera, e era exatamente assim a cena do cara dentro do f15. Percebi também que não era apenas lente tele, o sonho cortava para uma wide onde eu me via na janela, nada grotesco, uma boa escolha de lentes na minha opinião, mas o lance é que pude me lembrar dos cortes entre as cenas. E isso eu achava que era uma invenção do cinema.

Mas há uma coisa que filme é e que sonho nunca será, ser uma história. Sonhos terminam de onde vieram, do nada vem, pro nada vão, meio que parecendo que não houve um começo, não houve um fim, o sonho poderia ter continuado, ou terminado antes, não mudaria muito.

Ser uma história demanda haver um final, mesmo que sejam reticências. O final fecha elos, e isso que é estranho, pois nunca é apenas um elo, o final não se resume a como resolver um conflito, mas adiciona significado para cada parte do todo, o que faz com que o todo seja maior do que soma das partes, como diria Lynch.

Essa equação onde 1 + 1 é maior que dois é invenção nossa, coisa nossa, ela não existe na realidade física. Seria o valor agregado diria o economista, e é por isso que economia não tem sentido matemático. Seria também o hype, diria o publicitário, e esta a eterna procura em um job.

Esse valor agregado, esse hype, no cinema alcança o valor infinito porque no cinema tudo é baseado nesse valor, é a fome com a vontade de comer, o cinema é a ferramenta máxima na comunicação com nosso inconsciente, pois rola através do real, ou melhor, através da materialização da imagem e do som de coisas ‘reais’.

O sonho nos atende necessidades conscientes por meios inconscientes, enquanto que o cinema nos atende necessidades inconscientes por meios conscientes. Os dois, o sonho e o filme cruzam a mesma ponte, em sentidos opostos. O filme sempre mata o monstro, ou pelo menos o subverte, nos sonhos eles nos comem.

Fazer um filme é quase impossível, já criar uma história é impossível. Mas tenta-se. Em toda arte existe a busca da manipulação da linguagem do sonho, e isso é um processo em que as sementes estão no mar da inconsciência, ‘comunicar com os Deuses’ é o termo artístico mais próximo.

Presos na ilha da consciência, os artistas içam a vara de pescar esperando a linha ser fisgada. Alguns tomam ácido e decidem nadar para pescar, e pescam suas sombras deformadas. Grande parte deste mar banha outras ilhas, outros conscientes, é o mesmo oceano. Esse mar é o nosso grande denominador comum, que, como a matemática, faz dele uma linguagem universal que transpõe as línguas, culturas, preconceitos e tudo aquilo que provoca uma grande guerra.

Alguns artistas são grandes pescadores, enquanto que alguns nunca notaram que o mar está lá. Há artistas que são como Ahab, se dispondo a perderem tudo que tem, inclusive o que os outros têm, por baleias brancas que arrancaram suas pernas. Pesca é a analogia certa, pois todo pescador conta que há períodos onde passa dias com mar sem peixe, e que mesmo assim não pode desistir, um dia, uma hora, nunca se sabe quando, dá pra encher o barco.

Estamos no século XXI, e o nosso desafio existencial nunca foi a conquista do espaço, já descobrimos que tudo está a muitos, muitos anos-luz longe da gente... e onde estão então os alienígenas? onde está o monólito? Nunca eles estiveram lá, mas conosco. Se há um desafio ele se dirige para dentro, não outside, na real, os mistérios escondidos que estão por trás da teia da realidade só podem ser desbravados navegando pela imaginação que habita o escuro.

Precisamos de nossos arquétipos românticos de volta, chega destes filmes que lidam com a superfície da hipocrisia social, sexual, racial e política do cotidiano e das escolhas conscientes e suas conseqüências factuais como se fossemos gado, temos que ver o medo escondido, as escolhas instintivas e as conseqüências que até então eram inimagináveis, esse é o lance.

Thursday, January 12, 2006

Broken Flowers

King Kong pode ser o filme do século, mas Broken Flowers é o filme do ano (passado).