Tuesday, August 08, 2006

O mundo de cabeça pra baixo

Assisti Poseidon, e acreditem, gostei do filme pra caralho.

E é mórbido, cruel, claustrofóbico.

Parece que um produtor da Warner estava pensando alto, algo do tipo 'e desaster movies?'. A escolha aqui não foi de marketing, foi outra coisa. Talvez coisa do tipo 'juntando esses vinte contratos que vencem esse ano, dá pra fazer um filme bem grande'.

Chamaram o Wolfgang e perguntaram o que ele prefere dirigir: 'Inferno na Torre' ou 'Poseidon'. Bem, eu não sei se foi assim, mas decisões de centenas de milhões de dólares são tomadas assim. Imagino. Pelo menos é o que o filme transparece.

Se desse certo eles filmariam Inferno na Torre na sequencia.

E não deu certo, a bilheteria foi um fiasco.

Não consigo deixar de ver que o filme é ousado, tipo 1000 pessoas morrem no filme. Claro, é filme de desastre. Mas hoje, quem aceita ver mais mortes gratuítas do que já vemos no noticiário. Foi com essa lógica que comecei a assistir esse fiasco. E vi pessoas morrendo: queimadas, caindo, eletrecutadas, afogadas, esmagadas. Tipo, o filme começa mostrando o luxo e o conforto de pessoas previlegiadas, delas e das que as servem. E de repente o mundo vira de cabeça para baixo e o que era doce e confortável assume uma alma psicopata. Todos morrem.

Entre o desastre romântico do Titanic e o cruel destino do Poseidon, fico com o último. O fato de não ter acontecido o deixou mais fiel com a realidade, sem concessões.


***Quem não assistiu, COMPRE o dvd Das Boot, tá 19 reais pra menos. É o melhor filme de Wolfgang, melhor que História Sem Fim, e isso não é pouca coisa não.

Storyboards 3D

King Kong e Guerra dos Mundos, creio eu, os primeiros dessa nova onda de gerar o filme antes de filma-lo. O truque é o seguinte, você monta o roteiro do filme num programa 3-D qualquer, a qualidade aqui só tem importância na informação, coisas do tipo que lente usar, qual a posição das luzes, do elementos cênicos, dos elementos vazados, onde os atores se movimentam, se o cenário 3-d emenda com o set planejado, e porque não uma pequena edição.

Parece ser o sonho dos estúdios pré-visualizar o filme antes de assinar o cheque. Mas por enquanto o uso ainda não é esse. A função é poder compor a filmagem com efeitos digitais, acima de tudo e apenas. Seguindo isso, essa pré-visualização do filme só acontecesse depois do cheque depositado. De certa maneira o storyboard 3-D já é o começo das filmagens, mesmo acontecendo muito antes do primeiro negativo ser exposto.
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Digo isso porque se você acompanhar como King Kong usou o storyboard 3D, o filme, quadro a quadro é o storyboard 3D, apenas com umas 300 layers de filmagens e efeitos sobrepostos sobre a animação feita em um Macintosh qualquer. Acabei de ver uns trechos do storyboard 3d de Transformers, e este está seguindo o mesmo processo.

O Storyboard 3D é uma ferramenta exclusiva do diretor, é uma maneira dele poder driblar o fato que a filmagem desses filmes estão divididas em duas partes que se estranham, de naturezas opostas. A primeira parte é a filmagem em si, com toda a zona que acontece em um set, onde as escolhas são ao mesmo tempo subjetivas e objetivas. A segunda fica em chips da Silicon Graphics, em um ar condicionado onde todas as decisões são racionais, quase que matemáticas, como um xadrez.

E essas duas naturezas de filmagem têm que se tornar uma só na tela, entortando essas duas extremidades para que falem a mesma linguagem visual. Em muitos filmes é nítido quando uma das extremidades abriu concessões para a outra, o publico sempre percebe isso no ato.

Aconteceu muito na década de 90 os efeitos dos filmes serem simplesmente entregues a uma finalizadora, como a Light & Magic, que muitos diretores disseram perder parte do poder criativo sobre o filme, como se o filme saísse da juristrição deles. Não era muito diferente de discutir com um mecânico ou um economista, eles sempre se justificam em outra língua que não a sua.

O Storyboard 3D faz com que a cadência dos efeitos de um filme caia sob a batuta do diretor. Talvez gere mais poder ainda, o poder da barganha, pois para cada tipo de efeito sempre existe uma empresa mais especializada. Porque não em um futuro próximo emendar o CG de um monstro em uma firma brasileira, os prédios para outra canadense, os mattes para outra na nova zelândia, o render para outra na Índia, e por aí vai. O que sempre dita o negócio no final é o quanto você pode economizar para fazer mais.

O processo de fazer cinema está cada vez mais próximo do processo de fazer um produto. É o sintoma de algo sem precedentes no cinema, as equipes de marketing foram passadas de último estágio da filmagem para o de primeiro.estágio. Eles hoje tomam a decisão de que filme deve ser feito. Antes ficavam em um escritório de Nova Iorque, recebendo algum material de Los Angeles, e se viravam com o que tinham. Hoje esses novaiorquinos tomam Sol do outro lado do continente lendo roteiros e imaginando as inserções comerciais no super bow.

O admirável mundo novo é o fato de que tudo no mundo está se transformando em produto, inclusive as guerras (Assista Why We Fight, 2006); não que eu ache isto errado, eu aceito este fato simplesmente. A Pixar é gênia em criar produtos, como a Apple ou a Sony. Cars é possivelmente revolucionário nesse ramo, não só o filme é um dos produtos com subprodutos mais bem acabados do milênio, e como também é uma obra feita com amor (o que genuinamente define o que é Arte). Devia falar mais de Cars mas esse tempo para escrever parece cada vez mais curto. Hoje um nome de fruta exótico é produto, cirurgia também virou produto, políticos estão virando produto, até o crime parece virar commodite.

Minha facilidade de mudar de assunto me assusta também, estava falando de storyboards, agora falo do ‘assim caminha a humanidade’. Bem, pra mim o mundo faz parte de uma mesma massa como disse Jeff Goldbum, o matemático do caos: ‘uma borboleta no Japão faz chover em Los Angeles’; outra frase que esse matemático do Jurassic Park disse que também considero para toda a vida ‘life finds a way’. Mas se trocarmos o Life por Money, também funcionaria. A característica mutante da própria vida é muito similar à economia global, onde um tem que devorar o outro para ter uma ilusão de certeza que haverá um dia seguinte.

Storyboard 3D é legal, meio que coopta com o lance de fazer do cinema o mesmo que fazem em um centro de engenharia, meio que soa que um filme é muito importante para ficar na mão de um artista. Mas não é nada disso, hoje os artistas tem que ser engenheiros. Assim é a vida.