Sunday, May 03, 2009

O Nós sobre Eu

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Star Trek talvez seja o remake mais esperado desta década perdida; década que tenta reencontrar uma identidade perdida através de remakes. E remake sempre me soa como uma visita a um museu de cera.

Dessa década, não sei se foi relevante, só sobrou um existencialismo impregnado; a humanidade esteve em depressão. Relembrando os principais filmes desta década, O Escafandro e a Borboleta, Children of Men, American Beauty, ou suas principais séries de TV, Lost, The Office (o original), o fantástico BSG, temos vontade de dar um tiro na cabeça. Nunca vivi uma década com a esperança tão no buraco. Foi a década das autópsias, do sangue apodrecido, de cinco CSIs que existem por aí. E aquilo que não foi triste foi esquecível. Nenhuma comédia se salvou, os comediantes foram asfixiados. E até por isso Slumdog talvez sinalize uma mudança de ventos; Slumdog é o final feliz que Cidade de Deus não teve.

Cinqüenta anos atrás, nos prósperos 60’s, Star Trek mostrou um futuro novo: um futuro sem a lei da selva, sem fronteiras, sem raças ou castas, sem mais-valia, as máquinas trouxeram a liberdade das estruturas de poder, onde mesmo a busca narcisista do Eu cessou, ficou old-fashion. Era a realidade que vinha depois do Final Feliz; o otimismo de que deixamos o pior para trás e estamos em rumo de novos mundos expandindo nossa consciência.

Rotulado de utopia, essa ideologia foi chutada pro lado como fantasia ingênua. Que na real humanos são, serão e sempre foram: limitados. Que não conseguem sobrepujar o maior peso de todos: o Eu. O Eu, a voz dentro de nós que exige resultados mesmo danando a todos em volta. O Eu sempre quer mais, nunca se realiza, está sempre em débito, nunca conheceu a felicidade. É nosso lado esquerdo do cérebro.

Eu, João, como um exemplo que conheço bem, só pensa em João, no que João quer, em como ele foi tratado, injustiçado, no que ele pode fazer, usar e manipular para moldar um melhor João do futuro. As empatias com outras pessoas aparecem em noites bêbadas mas ocupam um espaço minúsculo da consciência. O Nós se tornou uma preocupação lateral. O lado esquerdo do Cérebro nos comanda, e depressões não são nada além do Eu dando pau.

Não somos mais capazes de lidar com o Nós, o mundo acredita na lei de Gerson como única realidade e por isso ideologicamente estamos todos falidos.

Pudera, quando alguém comete altruísmo, assumindo para si o problema de outros, vira Otário. É a lição escondida nas escolas, nos empregos, na vida; e nossas mentes reinventam contextos para apaziguar o Eu. Quando um infeliz é aberto e nos aproveitamos disso, o Eu já o chama de otário para se livrar da culpa. O defeito é sempre dos outros, o Eu é perfeito.

E o incrível é que nossas vidas, cada uma delas, como as bilhões de células no nosso corpo, as árvores de uma floresta, as estrelas de uma galáxia, são definidas do começo ao fim pelo Todo. E como o vírus que assola a todos; o mal é a única coisa que trás o Nós para a tona, como pai e filha se abraçando durante o Armageddon, na invasão alienígena, no tsunami; só existe o Nós quando cada Eu se sente igualmente ameaçado pelo Todo. A humanidade é torta assim.

Descobriram este ano que bactérias conseguem se comunicar; soltam moléculas como palavras, organizam votações para agir em conjunto. A natureza sabe que a bactéria sozinha é incapaz de mudar seu próprio universo, mas todas elas coletivamente derrubam um elefante. No entanto, o ensinamento que temos é orbitar nossos próprios umbigos; de que a individualidade vale mais. Que temos que fazer uma marca pessoal no universo, que seremos todos Rockstars, o atacante-lenda que vence o jogo aos 45 do segundo tempo.

E minha geração, todos frustrados porque brigaram pelo pódio que não existe, querendo todos ocupar a cadeira de capitão em uma nave que se chama Enterprise: não apenas um nome, não apenas aventura, mas organização, organismo, Enterprise é um plural singular. Como qualquer organismo, quem comanda a nave é a somatória de toda a tripulação.

E todos agora todos são capitães sozinhos em naves sem dobra espacial. Num palco se apresentando para uma platéia vazia, porque estão todos em seus palcos se apresentando para suas platéias vazias.

Li em um estudo inglês que a molecada está mais narcisista do que antes, em que até mesmo a competição passou para segundo plano porque afeta o campo gravitacional do umbigo. Estão sendo treinados para não machucar o Eu. Eles são os filhos da minha geração de Orkuts, Facebooks, Twiters, onde as máscaras eclipsaram o sentimento de que somos todos iguais no mesmo mar.

Mas existe um elemento que não mudou, e nunca vai mudar: o que nos define é o que fazemos agora. O Eu se preocupa com o passado e o futuro, e passado são memórias que somem com o tempo e o futuro é apenas uma expectativa vaga. Não existe nada além do eterno Agora. O Agora é o nosso corpo reverberando vibrações pelo espaço-tempo do Todo, transmitindo e recebendo vibrações de outros para outros.

E que filtro cada corpo carrega? De que o futuro será igual ao passado. Que é tudo cíclico. De que a bosta de ontem será a bosta de amanhã. Este é o filtro do Eu que sempre odeia o presente, são estas as vibrações que passamos de um para o outro. Estamos espiritualmente aleijados.

Duvido que qualquer um de nós tivesse uma resposta melhor, perguntaram a um cientista o que ele faria se o mundo acabasse amanhã, a resposta: plantaria uma árvore hoje. Os cientistas normalmente têm essa visão do Todo, de que nós estamos entre as moléculas e as estrelas, entre o nada e o eterno, o Eu e o Nós.

Não espere que Star Trek nos mude do dia para a noite, o primeiro passo ainda é abrir um canal de comunicação com essa geração de narcisistas. Star Trek terá que ser Sexy, explosão e fúria para nos tocar, para arrastar o Eu para o mundo do Nós. É um longo processo, mas um primeiro passo foi dado para que invertamos nossas fases e assim transmitir a vibração de que, sim, podemos ser brilhantes.

Até lá, os cínicos irão rir disso, de que vamos dar as mãos e cantar We are the World. Mas mesmo esse coro é mais digno do que o mundo de Homer Simpsons que fomos obrigados a engolir. Homer Simpson precisa morrer, ele perdeu a graça.

>>>>> Ponte <<<<<<

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